A exposição coletiva Artistas de São Carlos 80/20 traz à apreciação do público um olhar plural do trabalho de 16 artistas, representativo de dois momentos de relevância das artes visuais na cidade de São Carlos: a década de 1980 e os anos 2020. Por meio das obras selecionadas e do resgate deste liame histórico, busca-se apresentar uma leitura ainda inédita da produção artística em São Carlos, valendo-se das vivências, narrativas pessoais dos artistas e seus entrelaçamentos.
Esta iniciativa atenta-se para o cuidado com o legado histórico e a sensibilidade à memória coletiva, perpetuando vínculos sociais e afetivos. São cruzamentos, confluências que iluminam o passado de uma cena artística formada por diferentes grupos e trajetórias individuais. A partir deste legado desenha-se o presente, artistas em plena ação, construindo suas obras, pesquisas e inquietações. Como proposta, a exposição busca aproximar gerações, promover trocas, reconhecer valores coletivos e proporcionar ao público fruição por estes desafios e encantos.
O recorte geográfico e temporal reúne os trabalhos, selecionados em conjunto com os próprios artistas, apresentando uma gama variada de traços, cores, técnicas, saberes e formas. De um lado, a figura catalisadora de José Sidney Leandro balizou o núcleo social e formativo chamado Grupo São Carlos, em que parte dos artistas presentes na mostra vivenciaram como alunos, colegas, amigos e admiradores. O Grupo São Carlos foi o ponto de partida para se imaginar a exposição, a partir de pesquisa realizada pelo curador e artista Daniel Paschoalin.
Ao final dos anos 1970, o ambiente artístico de São Carlos se transformava com a abertura de galerias e espaços culturais, com crescente oferta de aulas de artes e organização de ateliês. Em uma dessas iniciativas, o entrosamento artístico de grupo de amigos deu origem ao coletivo denominado “PROARTE”, composto por inicialmente por Antônio Carlos de Mattos Franco, Edda Adami, Maria Lúcia Sawaya Jank – Tuxa (1940/1983) e José Sidney Leandro (1935/1995). A este grupo somam-se em pouco tempo outras integrantes, como Regina Maria Pereira Lopes Meirelles (1942/2011), Wania Pereira Lopes Labadessa, Adélia de Jesus Gomes, Marilena Maffei (1937/2021) e a chilena Maria Eugênia Pinochet Donoso – Kena, recém-radicada em São Carlos. Em torno deste núcleo base de artistas funda-se o primeiro ateliê compartilhado, chamado de “Ponto de Arte”, na Rua Carlos Botelho no. 1732.
Em 1981 o PROARTE passou a se chamar “Grupo São Carlos”, com a adesão de um número cada vez maior de participantes. Ao final de 1981, o grupo era composto por cerca de 20 pessoas e muitos obtiveram premiações e participações em salões de arte consagrados da época. A partir de 1980 o Grupo São Carlos realizou exposições em diversas cidades como Franca, Ribeirão Preto, Araraquara, Sorocaba, São Paulo, entre outras. As fontes documentais mais expressivas sobre o grupo são convites de exposição, notícias publicadas nos jornais da época e depoimentos dos próprios artistas que participaram da iniciativa. De acordo com o convite à sua primeira exposição coletiva, “(…) Não há linha comum de estilo, de temática, de técnica ou outro traço uniforme na produção artística. O que caracteriza o grupo é o incentivo mútuo e a enorme vontade de promover São Carlos a um centro de cultura artística, no interior de São Paulo. (…) Difundir a arte é seu ideal.”
Ao mesmo tempo, estão presentes na mostra artistas da mesma época que percorreram outros caminhos, com a criação de ateliês individuais e o ensino de artes, além de também participarem de exposições em salões e em mostras individuais e coletivas. Quarenta anos depois, destaca-se o desenvolvimento de uma nova geração de artistas da cidade de São Carlos, cujas narrativas pessoais se entrelaçam com as dos artistas atuantes nesse contexto dos anos 1980. Vários desses artistas foram alunos ou colegas uns dos outros, mantêm-se ainda em contato, e influenciam-se mutuamente. Com o avanço dos meios digitais de comunicação e interação entre agentes da cultura, que se ampliou consideravelmente no período de pandemia, hoje podemos observar uma renovação artística com exposições, feiras, ofertas de cursos e oficinas, espaços culturais e novas oportunidades de sociabilidade e atuação artística, das quais esses artistas são protagonistas.
José Sidney Leandro, o Lelo, como era tratado pelos compadres e comadres das artes, nasceu em 19 de outubro de 1935 na cidade de Sertãozinho – SP e faleceu em 29 de abril de 1995 em São Carlos – SP, cidade onde viveu desde 1963. Para além do virtuosismo artístico que lhe valeu prêmios e reconhecimento, Leandro materializou diversas ações culturais que resultaram em um grande incentivo às artes na cidade de São Carlos. Através de seu vínculo acadêmico como professor da UFSCar, Leandro desenvolveu programas como “Educação através das artes” e de apoio as antigas cooperativas de artesanato da Agrindus e Crutac; foi também fundador do teatro universitário e coordenador do Grupo de Pesquisa Plástica e de Estudos Cinematográficos da universidade. No âmbito da esfera municipal foi também assessor das atividades de artes plásticas da Casa da Cultura “Prof. Vicente Paulo de Arruda Camargo” de São Carlos. Leandro é celebrado na memória popular e por cronistas locais como o grande responsável pela “Sessão Maldita”, exibição semanal regular de filmes de arte no Cine São Carlos, principal cinema da cidade. Esta era uma sessão especial fora do circuito comercial cinematográfico da época. À frente da comissão de cinema do Conselho Municipal de Cultura do município, Leandro fez a curadoria, divulgação e crítica dos filmes exibidos por mais de vinte anos, de 1973 a 1993. Ainda nos anos 1980, reuniu um grupo de artistas locais talentosos e organizou um ciclo de exposições coletivas e individuais, à frente da curadoria da Itaú Galeria (1981-1986) na cidade de São Carlos e em outros municípios. Hoje, Lelo continua vivo na lembrança dos são-carlenses e seus feitos, obras e ações conservam o potencial de inspirar outros artistas.
Na exposição 80/20, Leandro está representado por duas obras, um conjunto escultórico de baixo relevo em gesso que remete às formas orgânicas de seu peito aberto durante uma operação do coração a que submeteu-se, com as camadas dérmicas e o que seria seu músculo cardíaco. Esse trabalho foi encomendado pelo próprio Leandro junto ao amigo Ismar Curi, que a realizou a partir de registros fotográficos da cirurgia.
Como citar: PASCHOALIN, D.: São Carlos Entre Gerações: anos 1980 e 2020. In: Exposição Coletiva Artistas de São Carlos 80/20, São Carlos, 2023. Disponível em: https://aguavivaproducoes.com/exposicao/